" Tal cena está gravada em minha mente como se tivesse sido fotografada. Devia ser mais ou menos umas 5 horas da madrugada, quando saía de casa para trabalhar, um homem bem diferente daquele que conhecera no Brasil. Já não usava ternos brilhantes com sapatos reluzentes.
Suas roupas estavam surradas e nas mãos levava, em vez da pasta do executivo, uma malinha de couro contendo uma marmita. Eu e INABEL despedimo-nos dele naquela hora da manhã, orgulhosas, pois para nós, ele passara a ser um homem com H maiúsculo. O moleque, o bom vivant , o machão tinha morrido.
Durante o dia , eu já não trabalhava tanto como na casa da minha tia.
Tinha mais tempo para me dedicar a nossa filha. E a única coisa que me preocupava era a dificuldade que eu sentia em poder ainda procurar os médicos a fim de terminar meu tratamento.
Durante o jantar, Luiz Antonio continuava relatando suas experiências e dificuldades como coveiro, lembrando do primeiro dia nesse trabalho. Dizia-me ele . Assim que chegou ao cemitério, sem saber se conseguiria realizar tão duro trabalho, lhe deram um par de botas pesadas, um macacão grosso, um carrinho de mão, uma pá e picareta e mandaram através do Anton que ele fosse ao local onde iria abrir a sua primeira cova.
Pensava ele, que seu chefe iria lhe dar um tratamento especial, pois o APLICATTION / currículo informava o seu trabalho no Brasil. E simplesmente seu chefe falou, Let s go.
E Luiz Antonio contou-me que ao subir com o carrinho de mão com a pá e picareta, uma alameda grandiosa, cheia de árvores frondosas, em segundos , começou a sentir saudades daqueles colegas do banco, em que exigia tanto ser chamado de Senhor.
Como realmente o mundo dá voltas.
Lá ele passou a ser um número . Era simplesmente o nr 280 e lá não poderia exigir ser chamado de SIR 280. Ironias do destino, hein !
O trabalho era muito duro, pesado e exaustivo. E apesar de todos esforços, mal conseguia fazê-lo sozinho. Em suas narrativas, contou que , sem que pedisse, teve a ajuda e solidariedade de seus colegas porto riquenhos, povo humilde e marginalizado na América. Vejam só a tal ironia do destino, humildes , iguais àqueles nossos primeiros vizinhos que meu marido marginalizava aqui no Brasil. Meu marido teve amor, carinho e companheirismo , coisas básicas exigidas pelo ser humano, para a coexistência e sobrevivência. Que grande lição Luiz Antonio teve.
Essas mesmas criaturas passaram a frequentar nossa casa, e por esse motivo nossa filha passou a ser hostilizada por nossas crianças vizinhas genuinamente americanas, simplesmente pelo motivo do pai ser amigo de porto riquenhos e os recebia em nosso lar. Era dura essa situação, mas tínhamos que aceitar.
Aos sábados e domingos, para ganhar mais dinheiro, Luiz Antonio ajudava na demolição de prédios, muito comum nessa época, 1970, em Manhattan, centro de New York. Nesse meio tempo, uma brasileira recém chegada aos Estados Unidos, nos trazia algumas encomendas dos nossos parentes e por coincidência, era quase nossa parente e nós, solitários, a convidamos para morar conosco.
Falava muito bem o inglês e nos ajudou nas dificuldades qual fossem. E assim ganhamos uma grande companheira, nossa querida LOURDES.
Aproximando-se um novo inverno e Luiz Antonio não suportando o trabalho ( sempre ajudado pelos amigos porto riquenhos ), passou a trabalhar como faxineiro num prédio em Manhatan , centro de New York, LIFE INSURANCE, limpando chão, carregando lixo, lavando banheiros, mas muito orgulhoso de seu novo trabalho.
Nossa vida lá foi de uma experiência valiosíssima e adquirimos grandes conhecimentos humanos.
Valores diferentes daqueles que conhecíamos. Lá náo éramos turistas e sim trabalhadores, legalmente, com os vistos regularizados.
Morávamos no bairro do BROOKLYN.
Sentíamos na pele todos os problemas sociais daquela cidade.
New York é uma metrópole gigantesca, de contrastes chocantes. A cada quarteirão, o belo e o feio se misturam e se sobressaltam.
O povo agitado, parecendo viver numa individualidade latente e total. O povo do mundo inteiro , com trajes e costumes diferentes, se cruzam constantemente, parecendo que todo o mundo ali se reuniu, com toda sua diversidade. Lá literalmente vive-se 24 h ininterruptamente, tal qual New York é conhecida como a cidade que não dorme.
É um piscar de semáforos, luzes, holofotes, prédios coloridos e iluminados.
Cartazes audaciosos, cores deslumbrantes, liberdade exagerada, racismo ,discriminação ao forasteiro, dias borbulhantes, noites que parecem dias, com tanta luminosidade , num fascínio esplendoroso, como um imenso Play Center, com seus ruídos e alaridos de emoções sem fim.
Lá já nessa época, mesmo com a crise da cidade nos anos 70, a tecnologia era avançada, com suas poderosas ferramentas e engrenagens, envolvendo realmente aqueles que nela escolheu viver.
Agitação, povo andando e correndo quase que automaticamente.
Veste-se e anda-se lá como se quer. Nínguém fica te julgando pelas aparências.
Tudo é normal. Nada espanta o povo nova iorquino.
Enfim, para nós, tudo lá era diferente, mas nos alertou para a diferença de valores de um povo e por extensão de pessoa por pessoa.
E o Luiz Antonio, quando em folga, nos levava para conhecer todos os pontos turísticos da cidade.
Central Park, Rockfeller Center, Empire States, Estátua da Liberdade, metrôs,... e foi nessa época que o original World Trade Center estava sendo levantado.
Num dos passeios de barco pela Ilha de Manhattan, fotografamos a construção desse gigante, com aquele aço vermelho, que ia por baixo do concreto. Mal saberíamos prever a terrível tragédia que aconteceria em 2001.
Guardamos fotos até hoje dessa relíquia, a construção do World Trade Center.
Simplesmente amávamos New York !
Um dos problemas que nos incomodava era INABEL ter dificuldade no domínio do inglês, estava cursando o correspondente ao primeiro ano primário daqui . Ela tinha também aulas particulares com nossa amiga Lourdes. E também o problema de ser rejeitada pelas crianças americanas, por ser uma estrangeira. "
Continuação no Capítulo 8 ...